7 de jul. de 2010

História - Charqueadas

Solar da Baronesa, na cidade de Pelotas, o reduto das charqueadas.

SURGIMENTO E IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

O gado foi a base da economia gaúcha durante um longo período da história do Rio Grande. Introduzido pelos jesuítas, atraiu os tropeiros que vinham de São Paulo e Minas para buscar gado e levá-lo para aquelas províncias. Serviu, também, de esteio para a fixação de habitantes, na medida em que permitiu uma atividade econômica para os estancieiros que aqui se fixaram.

Essa base seria ainda mais consolidada com o surgimento das charqueadas. Elas iriam produzir o charque, um produto que era a base da alimentação de escravos em todo o Brasil. E, com essa produção, trariam riqueza à região de Pelotas, que se tornou uma espécie de "capital cultural" do Estado.

As charqueadas começaram a surgir na região de Pelotas em torno de 1780. Anteriormente, o charque já era produzido no sul do continente, mas de maneira artesanal e em pequena escala. No entanto, uma série de secas sucessivas no Nordeste, onde estava concentrada a maior produção de charque do país, criou uma oportunidade para o produto gaúcho. E o charque começou a ser produzido em maior escala.

OPULÊNCIA

A partir desse momento, a produção de charque se tornou o centro da vida econômica da região de Pelotas. As charqueadas estavam situadas ao longo de rios que facilitavam o transporte para o porto de Rio Grande - de onde o charque seguia para o Rio e outros portos brasileiros. Com o dinheiro gerado por elas, Pelotas se transformou. Essa renda permitiu que surgisse um grupo de famílias ricas e que cultivavam hábitos sofisticados.

Em 1835, Wolfhang Harnish descrevia a cidade de Pelotas como um local de opulência extrema: "... já funcionam 35 charqueadas nos arredores da cidade... A riqueza que trazem é fantástica... Esses milionários pelotenses bem que poderiam ter vivido no Rio ou em Nice ou ainda em Paris, poderiam ter concorrido com os fidalgos russos no luxo e na dissipação de Monte Carlo".

MISÉRIA

A contraparte dessa opulência eram as próprias charqueadas, onde os enormes grupos de escravos eram submetidos a um trabalho exaustivo. E, como estavam reunidos em grupos muito grandes, os senhores adotavam a política de extrema intimidação para mantê-los obedientes. As charqueadas eram verdadeiros "estabelecimentos penitenciários", como bem as descreveu o francês Nicolau Dreyf, no livro "Notícia Descritiva da Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul".

Parte desse tratamento brutal dado aos escravos se devia ao interesse econômico: quanto mais produzissem, mais seus donos lucravam. Outra parte, entretanto, vinha do medo: com uma enorme população escrava, Pelotas era, potencialmente, um foco de rebeliões. Por isso, ao menor sinal de revolta eram tomadas providências drásticas. Para que se tenha uma idéia do tamanho da população escrava de Pelotas: existiam ali, em 1833, 5.169 escravos, 3.555 homens livres e 1.136 libertos.

Não obstante a violência e os métodos relativamente primitivos usados pelas charqueadas da região de Pelotas, elas foram capazes de sobreviver e gerar lucros consideráveis até o final do escravismo. A partir de então, enfrentaram dificuldades cada vez maiores e terminaram por se extinguir.

A CHARQUEADA SANTA RITA NO CAMINHO FARROUPILHA

Às margens do Arroio Pelotas e do Canal São Gonçalo, Pelotas possui um dos mais ricos patrimônios arquitetônicos dos primeiros anos do século XIX, resultado direto da riqueza que a indústria do charque trouxe para a região.

Exatamente por esta riqueza e desenvolvimento comercial, ameaçado pela política do Império brasileiro, que aumentou os impostos sobre as charqueadas e outros produtos da economia rural, é que a cidade teve grande importância na Revolução Farroupilha. Os proprietários das charqueadas aliaram-se aos fazendeiros e lideraram o movimento rebelde.

Uma das maiores batalhas em Pelotas aconteceu em 24 de fevereiro de 1838, quando a tropa Farroupilha atacou os Imperiais no canal São Gonçalo, na tentativa de tomar a região de Pelotas e Rio Grande. A passagem do canal São Gonçalo era de fundamental importância, pela sua rápida ligação com o mar. Entretanto, as canhoneiras imperiais foram para o meio do canal, onde ficavam fora do alcance dos tiros. Bem posicionados, abriram fogo. O bombardeio durou quase 4 horas, do meio da tarde até o anoitecer. Com muitas perdas os Farrapos recuaram.

A cidade permaneceu fiel ao Império, embora tenha sido invadida pelos farroupilhas duas vezes. Mas de seu comércio e de sua sociedade saíram homens e dinheiro para engrossar e sustentar as tropas do General Bento Gonçalves.

Domingos José de Almeida, charqueador, intelectual, e homem de negócios pelotense foi o principal ideólogo do movimento revolucionário. Após a proclamação da República Rio-grandense foi seu ministro da Fazenda. Mineiro, nascido em 1797, veio ao Rio grande do Sul em 1819 para reunir tropas de mulas e levá-las até Sorocaba, mas acabou se estabelecendo em Pelotas. Empresário bem sucedido, além de dono de uma companhia de navegação com veleiros que transportavam produtos para as províncias do norte, tornou-se o mais próspero entre os charqueadores.

Sua charqueada era considerada um modelo de organização. Culto, sua biblioteca era a mais completa do Rio Grande do Sul. Lia livros originais em francês e inglês. Também guerreiro de coragem, ascendeu de major a coronel da Guarda Nacional. Quando a guerra estava sendo preparada, era Deputado da primeira Assembléia Provincial.

Foi, junto com Pedro Boticário, um dos mais intransigentes na deposição de Fernandes Braga e na tentativa de impedir a posse de José de Araújo Ribeiro. Ainda, foi um dos que convenceu Antônio de Souza Netto a proclamar a República, em 11 de setembro de 1836. Junto com Gomes Jardim, assinou um decreto que criou a bandeira oficial Farroupilha. Em 1838 se empenha na compra de uma tipografia, colocando o jornalista italiano, Luigi Rosseti, como editor de "O Povo".

Também da riqueza de Domingos José de Almeida e da sua senzala, onde moravam centenas de escravos, nasceu um dos corpos de combatentes mais destacados da Revolução Farroupilha, os "Lanceiros Negros", que foram liderados pelo coronel Teixeira Nunes.

Domingos José de Almeida era casado com Bernardina Barcellos de Lima, filha de Bernardino Rodrigues Barcellos, que por sua vez era irmão de Inácio Rodrigues Barcellos (proprietário da Charqueada Santa Rita), e de Cipriano, Boaventura e Luís Rodrigues Barcellos.

A família Rodrigues Barcellos foi proprietária do maior número de charqueadas situadas às margens do Arroio Pelotas. Farroupilhas convictos, em novembro de 1835, os irmãos Barcellos chegaram a oferecer um baile no solar de Boaventura, no centro de Pelotas, uma semana após o desembarque de José de Araújo Ribeiro (que estava para ser nomeado presidente da Província Rio-grandense, nomeado pelo Padre Diogo Feijó) com o intuito de facilitar o entendimento inicial entre o líder dos Farrapos, General Bento Gonçalves, e o novo presidente. Apesar da iniciativa dos irmãos Barcellos, os líderes não se entenderam, e o resultado mostrou-se bastante sangrento.

Hoje, ao visitar as antigas charqueadas de Pelotas e caminhar pelas ruas do centro da cidade, entre os prédios da época, não é difícil imaginar que naqueles sobrados, naquelas salas, os prósperos homens do comércio e do campo se reuniam para conspirar nos primeiros anos da década de 1830.

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